Com certeza muitos bons
católicos já se questionaram sobre a questão das palmas durante a santa missa.
Seu uso é correto? É errado? É abusivo? Apesar dos muitos abusos litúrgicos
cometidos neste sentido, muito pode ser acrescentado a esta questão.
Por esta razão, padre
Rafael Fornasier, sacerdote da Comunidade Emanuel, escreveu algumas
considerações sobre este tema, na forma de artigo, visando enriquecer esta
discussão. Este artigo pode ser acessado clicando no link abaixo.
Pe. Rafael Fornasier
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A questão do respeito à
liturgia da Igreja tem atualmente suscitado vários debates sobre temas como
procissão, adoração ao Santíssimo Sacramento, cantos, missas tridentinas,
manifestação de carismas extraordinários etc. Obviamente que tais temas não
estão todos ao mesmo nível ou no mesmo grau de valor, quando se refere a uma
maior ou menor adequação às normas litúrgicas da Igreja. É o caso do
questionamento que se pode levantar sobre bater palmas durante a celebração da
missa.
Antes de se tentar fazer
brevemente aqui algumas considerações no tocante ao respeito da liturgia da
Igreja, o que se pode dizer sobre as palmas em si?
Já há muito que, em tantas
culturas – por que não dizer em todas, mesmo se com maior ou menor frequência -
se expressa os afetos com as palmas. Para manifestar entusiasmo e motivação ou
para entusiasmar e motivar, as palmas são usadas de forma rítmica ou não.
Grandes aclamações de
personalidades públicas, apresentações artísticas ou o simples fato de
reconhecer algo bem feito, são acompanhados de palmas como sinal de ovação,
reverência ou reconhecimento. O ritmo de cantos e danças muitas vezes se inicia
com palmas ou as gera. E até mesmo uma boa e sã gargalhada às vezes é
completada com palmas, na exteriorização corporal das emoções. Este gesto que
consiste em bater uma mão contra a outra, produzindo um som não é tão anódino
quanto parece. Ademais, muito se poderia discorrer sobre quanto significado há
as mãos.
No contexto bíblico,
deparar-se-á com um grande número de expressões que empreguem a “mão”, muitas
vezes personificada, a fim de designar a intenção mais profunda do próprio
sujeito agente. Assim as mãos são levantadas para exprimir a atitude de oração
(cf. 2Mac 3,20; 1Tm 2,8) Encontrar-se-ão
as palmas de aclamação a um rei (cf. 2R 11,11); o profeta bate palmas enquanto
profetiza (cf. Ez 21,19); há também as palmas de censura e reprovação dos atos
(cf. Ez 6,10; Lm 2,15); e até Deus bate palmas (cf. Ez 21,22)! Num hino de
louvor, a natureza é convidada a exultar de alegria com as palmas (cf. Is
55,12; Sal 97,8), antropomorfismo que
revela suas verossímeis raízes na liturgia do povo. Diz o salmo 46 (tradução da
Bíblia Ave Maria):
Ao mestre de canto. Salmo dos
filhos de Coré. Povos, aplaudi com as mãos, aclamai a Deus com vozes alegres,
porque o Senhor é o Altíssimo, o temível, o grande Rei do universo. Ele
submeteu a nós as nações, colocou os povos sob nossos pés, escolheu uma terra
para nossa herança, a glória de Jacó, seu amado. Subiu Deus por entre
aclamações, o Senhor, ao som das trombetas. Cantai à glória de Deus, cantai;
cantai à glória de nosso rei, cantai. Porque Deus é o rei do universo;
entoai-lhe, pois, um hino! Deus reina sobre as nações, Deus está em seu trono
sagrado. Reuniram-se os príncipes dos povos ao povo do Deus de Abraão, pois a
Deus pertencem os grandes da terra, a ele, o soberanamente grande.
Portanto, isto deixa entrever
uma liturgia celebrada alegremente pelo povo de Israel, com instrumentos,
ritmos, aclamações, na qual o corpo também está bastante envolvido. Tal fato se
confirma em outros textos bíblicos (cf. 1Cr 16, 42; 1Cr 23,5; 2 Cr 7, 6; 2Cr 30,21; ). Seria
fastidioso citar aqui todos os textos que mencionam os músicos, os corais, os
instrumentos e os cânticos, através dos quais a alegria da música hebraica se
traduz, dando lugar também aos afetos e sentimentos de todos os tipos e
assumindo os gestos corporais. Significativo é o texto de 2S 6,5: “Davi e toda
a casa de Israel dançavam com todo o entusiasmo diante do Senhor, e cantavam
acompanhados de harpas e de cítaras, de tamborins, de sistros e de címbalos”.
Seria difícil não imaginar o uso das palmas em tais celebrações.
Certamente que a liturgia da
Igreja não é a mesma da época de Davi e do povo de Israel. Contudo, a liturgia
da Igreja assumiu muitos traços das celebrações hebraicas, mantendo com estas
uma grande semelhança nos primeiros séculos. Na época apostólica, para a celebração
litúrgica, “se fala também de louvor de Deus, e oração de intercessão. Aqui se
vê a continuidade com a tradição sinagogal que, no culto sabatino, faz uso das
berakot (= orações de bênçãos) no contexto da leitura da Palavra de Deus e da
sua explicação; Jesus era habituado a freqüentar esta liturgia na sinagoga em
dia de sábado (Lc 4,16-21)”[1].
O questionamento, que se fará
necessário, concerne não somente a história da liturgia, mas também a história
da música sacra. Pois assim como a liturgia cristã teve suas influências
sinagogais e seu desenvolvimento no encontro com outras culturas, assim também
a música se desenvolverá e passará por diferentes estilos ao longo da história
do culto cristão. Talvez, em certos momentos da história, um determinado estilo
musical tenha sido mais valorizado na liturgia do que outros. Porém, na
Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, percebe-se que, ainda que o
canto gregoriano tenha uma grande estima, não há nenhum estilo musical concreto
que possa ser mais sacro do que outros, aprovando e aceitando “no culto divino
todas as formas autênticas de arte, desde que dotadas das qualidades
requeridas” (SC 112).
Ainda que haja palmas para
diferentes situações, como já foi acima mostrado, é no âmbito da música litúrgica
que justamente elas poderão assumir uma razão de ser e um sentido, os quais não
ofendem a liturgia da Igreja em suas rubricas, e menos ainda o centro do
mistério celebrado. Ademais isto também não significa que se estaria a forçar
uma introdução das palmas no rito romano ou que se precisaria de uma
autorização expressa, haja vista que os documentos da Igreja já dão uma margem
para tanto.
Como se justificaria isto?
Já no início da parte da SC
que trata da música (cf. 112) percebemos esta abertura a uma forma musical que,
por seus aspectos culturais que englobam o ritmo e os gestos corporais, seria
propensa a admitir as palmas em certas partes da celebração da missa, ato
litúrgico por excelência. Quando o documento Musicam Sacram, de 1965, trata da
participação do povo na liturgia ele diz o seguinte no n. 15:
Esta participação:
a) Deve ser antes de tudo
interior; quer dizer que, por meio dela, os fiéis se unem em espírito ao que
pronunciam ou escutam e cooperam com a graça divina.
b) Mas a participação deve ser
também exterior; quer dizer que a participação interior deve expressar-se por
meio de gestos e atitudes corporais, pelas respostas e pelo canto. Eduquem-se
também os fiéis no sentido de se unirem interiormente ao que cantam os
ministros ou o coro, de modo que elevem os seus espíritos para Deus, enquanto
os escutam[2].
Seria um erro pensar que
dentre estes gestos corporais estariam as palmas, particularmente em certas
culturas, nas quais os gestos assumem um papel relevante? Parece que a CNBB
entende que não. Para uma cultura mestiça como a do povo brasileiro, repleta de
elementos indígenas, europeus e africanos, o texto de um estudo da CNBB (n. 79)
admite palmas como fazendo parte da liturgia. Por exemplo, para as aclamações,
como participação do povo, devem ser incentivadas e mais variadas, através do
canto, das palmas ou dos vivas[3].
Ou ainda, para a acolhida inicial, “oportunamente, gestos da assembléia poderão
intervir, por exemplo, acolher-se mutuamente através de saudações aos vizinhos,
bater palmas, dar vivas em honra ao Cristo Ressuscitado, a Nossa Senhora, ao
Padroeiro(a), em dia de festa etc.”[4].
Poder-se-ia objetar afirmando
que os textos não tratam da música. Todavia, quando se procura interpretar o
que o texto da SC diz nos números 118 e 119, deduz-se que haveria a
possibilidade de um acompanhamento do canto com as palmas. No n. 118, o
Concílio afirma que se deve promover “muito o canto popular religioso, para que
os fiéis possam cantar tanto nos exercícios piedosos e sagrados como nas
próprias ações litúrgicas, segundo o que as rubricas determinam”. Entenda-se o
canto popular religioso como aquele que assume os traços da música popular de
um país, com seus ritmos, harmonias e melodias característicos. Ora, em várias
tradições populares da música brasileira e de tantos países, encontra-se o
acompanhamento das palmas.
O número seguinte do documento
acrescenta: “há povos com tradição musical própria, a qual tem excepcional
importância na sua vida religiosa e social. Estime-se como se deve e dê-se-lhe
o lugar que lhe compete, tanto na educação do sentido religioso desses povos
como na adaptação do culto à sua índole, segundo os art. 39 e 40”. Portanto, o
ensinamento conciliar já previa e incluía as diferentes tradições musicais -
reconhecidas pelas autoridades eclesiásticas territoriais competentes - que
certamente englobam variadas formas de expressões corporais.
Por outro lado, há uma grande
necessidade de formação litúrgica, a fim de evitar os excessos, como por
exemplo, as palmas em momentos indevidos ou o incentivo exagerado às mesmas.
Uma boa formação litúrgica atentará para o bom senso, à harmonia, à sobriedade
e ao decoro, de tal forma que as manifestações exteriores na participação da
celebração da missa não sobrepujem a adesão e a atenção interiores requeridas
como primordiais.
Desde modo, conhecendo bem as
características dos cantos que acompanham as distintas partes da celebração
eucarística, evitar-se-á, por exemplo, palmas acompanhando o canto de comunhão,
cuja índole é mais meditativa. Mesmo com a aprovação da CNBB, também as
aclamações com palmas devem ser empregadas com parcimônia. Melhor seria reservá-las
para os domingos “festivos”, solenidades ou nos momentos de grandes encontros
de uma diocese.
Assim como os músicos recebem
uma formação musical no tangente à unidade e harmonia do conjunto, toda a
assembleia também pode e deve estar atenta à este aspecto no tocante às palmas.
Normalmente, um instrumento de ritmo tem seus momentos fortes e fracos, assim
como os outros instrumentos. Todos assumem uma justa medida de intensidade e
volume que é prevista pela partitura. Isto também faz parte da harmonia e da
estética musical. Quando se trata de palmas, que compõem o conjunto
celebrativo-musical, o discurso é análogo. Portanto, será de grande proveito
para a beleza da celebração litúrgica uma educação quanto ao emprego das
palmas. Será, algumas vezes, uma situação de crescimento mútuo, haja vista que
se um irmão ou irmã está batendo palmas exageradamente, de modo descompassado
ou em momentos inoportunos, uma gentil correção será oportuna.
Por fim, resta lembrar que as
palmas não são obrigatórias e por isso nunca devem ser impostas a ninguém. O
acolhimento de uma comunidade velará para que todos se sintam à vontade e não
em situações desconfortáveis durante as celebrações. A caridade manifestada no
acolhimento e no desejo de fazer os outros participarem ativamente da
celebração, deve caminhar junto com a necessidade de acolher o mistério vivido
e celebrado através do culto oferto na e pela Igreja.
Pe Rafael C. Fornasier
[1]
Giglioni, Paolo, Introduzione alla liturgia, cap. 4, in Congregação para o
Clero – Smart CD (Biblioteca-Liturgia) 2001. Tradução nossa.
[2]
Ver também n. 30 da SC.
[3] Cf.
CNBB, Animação Litúrgica no Brasil, estudos n. 79, 1984, n. 209.
[4] Ibid.,
n. 244
Fonte: Comunidade Emanuel.
Um comentário:
Uma Catequista publicou este vídeo aqui em um fórum de debates sobre este texto que publiquei aqui em cima! Vale a pena ver!
http://www.youtube.com/watch?v=1SBGCQtwh-c
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