Por Padre Paulo Ricardo, 11 de abril de 2019
Algumas pessoas argumentam que, cientificamente falando,
não se pode dizer que a dor de Cristo foi a maior dor que já existiu, uma vez
que existem gêneros muito piores de morte que a crucificação, como pessoas que
morrem lentamente, corroídas por ácidos etc. Mas em que sentido se pode
entender essa afirmação da Igreja, contida inclusive na doutrina de Santo Tomás
de Aquino?
É o próprio Doutor Angélico que o responde, em sua Summa
Theologiae:
“Ao tratarmos das deficiências assumidas por Cristo,
deve-se dizer que ele suportou uma autêntica dor; tanto sensível, causada por
algo que fere o corpo, como interior, causada pela percepção do que é nocivo e
que é chamada de tristeza. Ambas foram em Cristo as maiores dores na presente
vida. E assim foi por quatro motivos.”
“Primeiro, pelas causas da dor. Pois a causa da dor
sensível foi a lesão corporal, que se tornou pungente não só pela extensão do
sofrimento, da qual se falou, mas também pelo gênero de sofrimento. É que a
morte dos crucificados é muitíssimo cruel, pois são transfixados em locais de
nervos muito sensíveis, ou seja, nas mãos e nos pés; o próprio peso do corpo
suspenso aumenta continuamente a dor; e é uma dor que perdura, uma vez que o
crucificado não morre logo, como os que são mortos a espada. – Já a causa da
dor interior foi, em primeiro lugar, todos os pecados do gênero humano, pelos
quais, sofrendo, Cristo dava satisfação, a ponto de, por assim dizer,
assumi-los para si, como declara o Salmo: ‘As palavras das minhas faltas’ (21,
2). Em segundo lugar, especialmente a culpa dos judeus e dos demais que
tramaram sua morte, mas de modo participar dos discípulos, que se
escandalizaram com a paixão de Cristo. Em terceiro lugar, a perda da vida
corporal, que por natureza é horrível à condição humana.”
“Segundo, a extensão do sofrimento pode ser considerada
pela sensibilidade do paciente. Ora, ele tinha uma ótima compleição física,
pois seu corpo fora formado de modo miraculoso pela ação do Espírito Santo;
aliás, tudo o que foi realizado por um milagre era melhor que o resto, como diz
Crisóstomo a respeito do vinho em que, na festa de núpcias, Cristo transformara
a água. Assim, era agutíssimo nele o sentido do tato, com o qual se percebe a
dor. – Igualmente, a alma, com suas forças interiores, captava de modo intenso todas
as causas de tristeza.”
“Terceiro, a grandeza da dor de Cristo ao sofrer pode ser
estimada pela pureza dessa dor. Nos demais pacientes, com efeito, mitiga-se a
tristeza interior e mesmo a dor externa com alguma consideração da razão, por
alguma derivação ou redundância das forças superiores para as inferiores. Mas
isso não aconteceu com Cristo em sua paixão, pois, como diz Damasceno, ‘ele
permitiu que cada uma de suas potências exercesse a função que lhe era
própria’.”
“Quarto, a extensão da dor de Cristo em sua paixão pode
ser estimada pelo fato de seu sofrimento e dor terem sido assumidos
voluntariamente, com o objetivo de libertar os homens do pecado. Assim, ele
assumiu a intensidade da dor proporcional à grandeza do fruto que dela se
seguiria.”
“De todas essas causas consideradas em seu conjunto, fica
evidente que a dor de Cristo foi a maior.” [1]
Na paixão de Nosso Senhor, com efeito, cumpriu-se a
profecia de Jeremias: “Olhai e vede se há dor igual à minha dor”[2].
Importa, porém, encarar a paixão de Cristo não tanto sob a ótica da dor, mas
considerando o grande amor com que Ele nos amou. Nem os piores sofrimentos do
mundo seriam capazes, por si só, de remir o homem do pecado. Foi a profunda
união de Cristo com a Sua Pessoa Divina que deu sentido a todo o sofrimento que
Ele experimentou, em Sua carne. Por isso, deve-se dizer que o que nos salvou na
cruz, na realidade, mais do que a agonia de Jesus, foi o Seu amor.
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